ATA DA TRIGÉSIMA OITAVA SESSÃO SOLENE DA SEGUNDA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA PRIMEIRA LEGISLATURA, EM 01.12.1994.

 


Ao primeiro dia do mês de dezembro do ano de mil novecentos e noventa e quatro reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezessete horas e quinze minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadão Emérito ao Senhor Carlos Nelson dos Reis, nos termos do Requerimento nº 32/94 (Processo nº 1420/94), de autoria do Vereador Milton Zuanazzi. Compuseram a MESA: Vereador Airto Ferronato, 1º Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, presidindo os trabalhos; Senhora Sandrali Bueno, Assessora Especial do Conselho de Direitos da Cidadania, representando o Senhor Prefeito Municipal; Senhor Raimundo Ferreira Guimarães, representante do Conselho Regional de Economia; Senhor Carlos Nelson dos Reis, Homenageado; Vereador Milton Zuanazzi, 2º Secretário desta Casa. Em prosseguimento, o Senhor Presidente convidou a todos para, de pé, ouvirem a execução do Hino Nacional e, após, concedeu a palavra ao Vereador Milton Zuanazzi que, em nome da Casa, falou dos objetivos que o levaram a propor a presente solenidade, como forma de homenagear um cidadão que, ex-menino de rua, conseguiu construir uma vida melhor para si e para sua comunidade. A seguir, o Senhor Presidente registrou a presença, no Plenário, do Doutor Carlos Bacchieri, Presidente da Fundação de Economia e Estatística, convidando Sua Senhoria a integrar a Mesa dos Trabalhos, e, em continuidade, convidou o Vereador Milton Zuanazzi a proceder a entrega do Título Honorífico de Cidadão Emérito ao Senhor Carlos Nelson dos Reis. Após, concedeu a palavra ao homenageado, que, historiando sobre sua vida afetiva e profissional, agradeceu o Título Honorífico hoje recebido. Dando prosseguimento, o Senhor Presidente agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às dezessete horas e quarenta e sete minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária a ser realizada amanhã, às nove horas. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Airto Ferronato e secretariados pelo Vereador Milton Zuanazzi, 2º Secretário. Do que eu, Milton Zuanazzi, 2º Secretário, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após ser distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores 1º Secretário e Presidente.

 

 


(Obs.: A Ata digitada nos Anais é cópia do documento original.)

 

 


O SR. PRESIDENTE (Airto Ferronato): Damos por abertos os trabalhos da presente Sessão Solene destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadão Emérito ao Sr. Carlos Nelson dos Reis.

Convido para fazer parte da Mesa o Exmo. Sr. Carlos Nelson dos Reis, nosso homenageado; a Exma. Sra. Assessora Especial do Conselho de Direito da Cidadania, representando o Sr. Prefeito Municipal neste ato, Sra. Sandrali Bueno; o Exmo. Sr. Raimundo Ferreira Guimarães, representante do Conselho Regional de Economia.

Convido a todos para que, em pé, ouçamos o Hino Nacional.

 

(O Hino Nacional é executado.)

 

Senhoras e Senhores; ilustre homenageado, Dr. Carlos Nelson dos Reis. Eu quero dizer da minha satisfação em presidir esta Sessão Solene requerida pelo Ver. Milton Zuanazzi, que propôs que a Câmara Municipal de Porto Alegre outorgasse o Título de Cidadão Emérito de Porto Alegre ao Sr. Carlos e dizer que a Câmara aprovou esse Requerimento por unanimidade. A partir de 1992, nós decidimos - a Mesa e os Vereadores - que cada Vereador poderia encaminhar apenas um pedido para concessão de título de cidadão por legislatura. Isso, então, passou a ter uma importância mais relevante, eis que, de um milhão e quinhentos mil porto-alegrenses, apenas um é distinguido pela nossa homenagem. Então, a nossa saudação a todos. Quero também cumprimentar os senhores e senhoras aqui presentes, colegas meus, inclusive professores lá da PUC, com quem tive a oportunidade de conviver por um logo período. A nossa saudação a todos.

De imediato, passamos a palavra ao Ver. Milton Zuanazzi, que fala pela sua bancada e por todas as demais bancadas desta Casa.

 

O SR. MILTON ZUANAZZI: Sr. Presidente, Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa.) Eu nunca havia pensado nessa prerrogativa do Vereador de dar um título de cidadão por legislatura. Eu me achava extremamente arrogante ou extremamente humilde para fazer uma proposição desse porte e procurava, também, com esse ato, não desvalorizar um título dessa relevância, de forma que ia sendo construída, dentro de mim, uma vontade de não proporcionar esse título a ninguém, até que um dia, no ano passado, quando eu viajava a Capão da Canoa para um Congresso de Vereadores, escutei no rádio do automóvel um programa da Rádio Gaúcha, com o Jaime Copstein entrevistando o Carlos Nelson dos Reis - um programa muito bem feito, muito bem produzido. Ao mesmo tempo em que entrevistava o ex-menino de rua Carlos Nelson, entrevistava o economista Carlos Nelson, sem dizer que os dois eram o mesmo, para, no final do programa, revelar essa identidade. Eu confesso que fui tomado de emoção no decorrer daquela uma hora de programa, de Porto Alegre a Capão da Canoa. Quando cheguei em Capão da Canoa, decidi que iria dar um Título de Cidadão Honorário ao Carlos Nelson dos Reis. Não sei se inspirado por aquelas palavras de que “o homem é ele e suas circunstâncias”, não sei se inspirado por estar vivendo num país onde a gente não consegue ver horizontes, não consegue ver caminhos, onde grande parte da nossa população está marginalizada, fora de todo o processo produtivo, fora das decisões institucionais, onde, além de tudo, Carlos Nelson, um menino de rua, criado nas ruas de Porto Alegre como tantos que vemos por aí, parando a gente nas esquinas, é negro, não sei se por todas essas circunstâncias que não deixariam romper a frase do poeta e que o Carlos Nelson conseguiu romper; mas acho que tudo isso me fez fugir daquela minha arrogância, ou da minha humildade, e apresentar nesta Casa esse título.

Depois conversei algumas vezes com Carlos Nelson. Trocamos idéias, falamos de economia, de política, e sei que muito mais - e o Carlos Nelson pensa assim como eu - que o título em si, o diploma, a honraria, muito mais que isso está o instrumento pedagógico e de esperança na nossa sociedade de uma pessoa que vence, que rompe as barreiras dessa sociedade que massacra, dessa sociedade preconceituosa, e que, ao romper as barreiras, alcança posições que queríamos ver para todos os nossos filhos, para todas as nossas crianças e para todos os nossos jovens. Por isso, Carlos Nelson, você, que perambulou pelas ruas de Porto Alegre; você, que foi para a Casa do Pequeno Jornaleiro e que ali começou a se alfabetizar já com idade avançada; você, que foi “office-boy” lá na LBA e que continuou estudando, foi estudar no Protásio Alves, e que já tinha essa vocação para o campo de economia; você, que, depois, foi à luta para tentar se formar nessa Faculdade de Economia e que foi para a Fundação de Economia Estatística, entrando ali também por baixo, na carreira, como um colaborador dos mais humildes, que foi crescendo e hoje atinge os postos que você atingiu, você merece, de todos nós, de Porto Alegre, esta honraria. Mas muito mais que você receber essa honraria - e por isso mesmo - merece o nosso povo saber que há esperança de vencer essas barreiras, que há condições de ultrapassar essa verdadeira muralha colocada por uma elite insensível e egoísta como a nossa, que fez do nosso País isso que aí está, com essas profundas distorções e com essa verdadeira falta de esperança no nosso cotidiano. Acho que esse título tem esse valor, Carlos Nelson, o valor de mostrar que temos essas saídas, com garra, determinação. Muitas vezes, Carlos Nelson - e você não é uma pessoa assim -, pessoas que vencem na luta, que vêm de baixo, e há exemplos na nossa história, depois até se tornam reacionários em cima do discurso “eu consegui, os outros deverão conseguir”. Sei que você não caiu nesse campo tão perigoso. É um lutador para melhorar a qualidade de vida. Tem, na sua história, um instrumento que faz enxergar para frente, enxergar para as mudanças, para as transformações. Esse é um valor que você carrega e que precisamos reverenciar num momento como este.

Porto Alegre está de parabéns. Orgulho-me que esta Casa tenha, por unanimidade, dado esse título. Porto Alegre sorri, meu caro Nelson. Quem sabe muitas crianças que estão nas ruas possam vir a ter o futuro conseguido por você com muita luta, muita dedicação. Um pouco do esforço de cada um de nós faz-se necessário e um pouco desses exemplos são levados a essas crianças, ao nosso povo. Exemplos de que, lutando, tendo determinação, conseguimos vencer, mesmo num país com tantas discrepâncias como o nosso. Muito obrigado a todos. Parabéns, Nelson. Te digo, do fundo do coração: fico emocionado com esse título que acabamos de te dar. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Solicito ao Ver. Milton Zuanazzi que faça a entrega do Título Honorífico de Cidadão Emérito ao Sr. Carlos Nelson dos Reis.

 

(Procede-se à entrega do Título.)

 

Registramos com satisfação a presença do Sr. Presidente da Fundação de Economia e Estatística, Dr. Carlos Bacchieri, e convidamo-lo para fazer parte da Mesa.

Neste momento, passamos a palavra ao nosso homenageado, Dr. Carlos Nelson dos Reis.

 

O SR. CARLOS NELSON DOS REIS: Exmo. Sr. Presidente em exercício, Ver. Airto Ferronato. (Saúda os demais componentes da Mesa.) Aos demais, com a delicadeza que o momento permite, chamarei, simplesmente, meus amigos. Digo que de todos os meus quarenta e quatro anos, este momento é o mais difícil e, seguramente, começa a ocorrer algo que até então não havia acontecido dentro de mim. É como que se algo muito forte começasse a acontecer e um gelo muito grande começasse a derreter internamente.

Toda essa trajetória que nesse momento da minha vida começa a ser exteriorizada tem um significado muito diferente do que algumas pessoas ou do que muitas poderiam pensar ou sentir. Esse momento todo, essa história toda onde estou chegando neste momento me dá um sentimento de conquista muito grande. É como se eu olhasse para trás e tudo aquilo que se passou, todos os momentos ruins, que foram muito mais do que os bons, fossem hoje, absolutamente, tudo parte de um estoque, tudo parte de uma vida. Esse é o meu patrimônio. A história da minha vida é o meu patrimônio. Não pretendo, não tenho a ambição de ter na vida outro patrimônio, pelo menos do ponto de vista daquilo que hoje começa a derreter dentro de mim, que é o nascimento do homem, e não que o homem vá derrotar o profissional. Durante muito tempo o homem não existiu em mim; existiu apenas uma raiva, uma vontade, uma força muito grande de buscar um espaço e ser alguém. Apenas isso. Jamais pensei que durante toda essa trajetória esse alguém que eu me tornaria seria isso que eu sou hoje. Agora que cheguei nisso, as coisas estão se parecendo, para mim, de que há necessidade do homem em viver, há necessidade de sentir. Sinto-me hoje um conquistador; eu não me sinto um vitorioso. A história que passei é a história de muitas pessoas que estão por aí. Pode ser inclusive a história de alguns que estejam presentes neste momento. É a mesmíssima história. A única coisa que muda, a única coisa que nos diferencia, certamente, são as formas que articulei para poder chegar ao momento atual. Então, não me sinto um vitorioso, porque a vitória, para mim, da forma como me formei e inclusive me desinformei, é algo que passa muito rapidamente. A vitória, às vezes, para mim, é uma passagem de uma noite; é o sabor de uma partida de futebol; é uma festa, enfim. Agora, a conquista não. É exatamente como eu me senti: um conquistador. Eu tenho dentro de mim todos esses valores, todo esse estoque de vida, do qual jamais me separei. Não tenho, absolutamente, em momento algum, o mínimo desconforto em dizer das minhas origens; não tenho o mínimo desconforto em lembrar que roubei carteiras, que engraxei, que lavei roupa, vendi pastel. Não tenho vergonha, e tenho o maior orgulho, de ter pertencido a uma das maiores instituições que já existiu nesta Porto Alegre, que recuperou crianças como eu: a Casa do Pequeno Jornaleiro Darci Sarmenho Vargas. Não tenho o menor desconforto em dizer que comecei a minha trajetória ali, na Casa do Pequeno Jornaleiro, vendendo jornal, ouvindo, aprendendo, ainda que a rebeldia dos doze, treze anos me mostrasse insatisfeito com algumas coisas. Não é fácil levantar no inverno e no verão, faça chuva, sol, calor, às cinco horas da manhã para vender jornal. Não foi fácil, assim como não foram fáceis os passos seguintes. É por isso que me sinto um conquistador, e quero conquistar mais. As minhas conquistas, hoje, certamente passaram a se dar não só mais no campo profissional, mas, principalmente, no campo pessoal. Acredito que a contribuição que eu posso dar hoje para a sociedade é devolver a ela, com todo o juro e correção, aquilo que eu sei. É assim que tenho exercido os meus últimos tempos. Essa sociedade, que hoje me confere esse título, tem todo o meu patrimônio: tudo aquilo que eu sei. É exatamente por isso que esse meu estoque há muito tempo escondido está sendo exteriorizado neste momento. Eu poderia enumerar centenas de nomes de pessoas que durante essa trajetória estiveram comigo através de um conselho, de um alimento, de um agasalho, de um carinho. Eu poderia enumerar várias, mas, para não cometer injustiças esquecendo alguém, vou citar três nomes, sendo dois institucionais e um pessoal. Estou reconhecidamente agradecido às instituições pelas quais eu passei, principalmente essa última.

Não sei se por uma coincidência ou um capricho do destino da minha própria história, a pessoa com quem eu comecei a trabalhar na Fundação de Economia e Estatística, onde comecei a aprender Economia, de quem eu carinhosamente e orgulhosamente me considero um discípulo, caprichosamente, a história coloca ao meu lado neste momento. Eu agradeço ao Prof. Raimundo por toda a orientação, por toda a proteção em momentos perdidos de minha história, onde eu buscava ser alguém ainda e não sabia o que era ser este alguém. Esse senhor, esse amigo, e com a liberdade que a nossa amizade pode me dar, esse homem foi um pai para mim. Agradeço ao senhor, Professor, e não tenho nenhum problema em dizer que sou seu discípulo.

Institucionalmente, gostaria de agradecer à Fundação de Economia e Estatística pela oportunidade que me deu de não só desenvolver a minha atividade como economista, mas, principalmente, por ter me oportunizado desenvolver a minha formação acadêmica em nível de especialização, em nível de mestrado e em nível de doutorado. Nesse sentido, gostaria de agradecer a essa instituição na pessoa do Prof. Antonio Carlos Frachelli, o qual, além de ser o Presidente da Fundação de Economia e Estatística, é também meu colega da PUC-RS, e também a uma pessoa que, ainda que não saiba, foi um referencial muito importante para mim pela sua humildade, pela forma como sabe chegar nas pessoas. Eu me espelhei muito em você, Frachelli, para poder até ter hoje a facilidade que tenho no exercício da minha profissão, principalmente naquilo que se refere à imprensa, inclusive ao que reserva a humildade enquanto profissional.

Eu gostaria também de agradecer a uma outra instituição, que é a PUC-RS, a qual também me oportunizou o início na carreira do magistério em nível profissional e também participou do financiamento do meu doutorado em Economia. Agradeço pela oportunidade na figura do Diretor da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas, o Prof. Jorge Alberto Frazoni. Eu também tenho muito orgulho de pertencer ao corpo docente ao qual ele administra. Se consigo hoje ser o Coordenador daquele departamento há quatro anos é exatamente em função de que essa coordenação tem a plena aceitação e liberdade de exercer a busca da reformulação e da qualidade do conhecimento, do ensino de Economia daquela Faculdade. Prof. Jorge, meu muito obrigado pela oportunidade que a instituição que o senhor representa tem estabelecido a mim.

O terceiro ponto para finalizar. Desculpem-me todos os outros. Gostaria de, em nome da sociedade de Porto Alegre, representando todos os meninos de rua de Porto Alegre, representando todos os adolescentes das diferentes classes - pobres, médios, ricos superabastados -, gostaria de dizer para você, Cícero, que você foi, é e certamente ainda será uma das obras mais importantes da minha vida. Eu gostaria que você tivesse, dentro dos seus propósitos de vida, a plena liberdade de escolher o seu rumo, a sua trajetória. E saiba que você tem em mim não um referencial da minha vida, mas você tem em mim o referencial do pai, do amigo, daquilo que eu não tive; você tem. Meu filho, muito obrigado pelo que você tem me dado de alegria e de prazer.

Eu poderia dizer muito mais coisas! Eu prometi, quando vinha para cá, que eu, absolutamente, não faria discurso, e acredito que não esteja fazendo. Eu me prometi que não ficaria nervoso. Enfim, eu me prometi uma série de coisas, das quais eu não estou cumprindo nenhuma. Se eu cumpri tão bem as coisas na minha trajetória, se eu fui tão restrito comigo, neste momento eu não estou conseguindo. Estas lágrimas que correm são exatamente as lágrimas do gelo do homem que esteve adormecido por muito tempo.

Eu agradeço a presença de todos os meus amigos. Tenham em mim um amigo, um colaborador - enfim, uma pessoa. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Nós queremos registrar, em nome da Casa, em nome da Mesa Diretora da Câmara Municipal de Porto Alegre, os nossos cumprimentos ao mais novo Cidadão Emérito da Cidade, Dr. Carlos Nelson dos Reis. Agradecemos a presença de todos. Estão encerrados os trabalhos.

 

(Encerra-se a Sessão às 17h47min.)

 

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